DEIXAR O LAR NÃO É ABANDONO DE LAR
Muitas pessoas, especialmente mulheres, têm muito receio de deixarem seus lares quando uma relação chega ao fim, ou mesmo quando há uma situação de violência doméstica, pois ouviram falar ou foram advertidas (muitas vezes até por amigos e parentes bem-intencionados), de que tal atitude será abandono de lar e que resultará na perda da guarda dos filhos e do direito à partilha de bens.
Por isso, é de suma importância entender a diferença entre “deixar o lar” e “abandono de lar”.
O que caracteriza o abandono de lar?
Para configurar o abandono de lar, é necessário que uma das pessoas do casal (seja casamento ou união estável) efetivamente abandone a casa e a família, sem motivo plausível e sem prestar qualquer tipo de assistência material ou imaterial, por, pelo menos, 1 ano consecutivo, segundo o artigo 1573, inciso IV, do Código Civil.
Ou seja, simplesmente sair de casa para residir em outro local, porque um relacionamento chegou ao fim e tornou-se insustentável manter a vida em comum (por qualquer razão), não é sinônimo de abandono de lar.
Qual a consequência patrimonial do abandono de lar?
Conforme o artigo 1240-A do Código Civil, quando há o reconhecimento do abandono de lar, quem foi abandonado poderá USUCAPIR o imóvel de propriedade do casal (pleitear a propriedade só́ para si), desde que:
● Seja um imóvel urbano e de até 250m²;
● Quem foi abandonado não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural; permaneça no imóvel para sua moradia ou de sua família por, no mínimo, 2 anos consecutivos, sem ninguém reclamar direitos sobre ele.
Sendo assim, quem abandona o lar não perde direito à partilha dos bens, como muitos acreditam. A pessoa apenas corre o risco de perder um bem imóvel em razão da usucapião.
Quando a mulher vítima de violência doméstica foge de seu lar, o abandono de lar pode ser configurado?
Não, quando há violência doméstica, o fato da mulher sair de casa (não importa como ela tenha feito isso) não configura abandono de lar, pois há uma razão de extrema urgência e relevância para que a vítima tome tal atitude, a fim de preservar a sua integridade física e psicológica.
As mulheres, nesse caso, têm uma justificativa para sumir, sem deixar qualquer pista de seu paradeiro.
No entanto, de qualquer forma, é importante que ela, o quanto antes, registre um boletim de ocorrência e procure uma advogada de sua confiança ou a defensoria pública para ser orientada e dar início aos procedimentos necessários à partilha de bens, às questões relacionados aos filhos, preservando sua localização e, se for o caso, requerer uma medida protetiva de afastamento do agressor do lar ou uma cautelar de separação de corpos.
Aliás, muita gente não sabe, mas é perfeitamente possível, em casos que envolvem violência doméstica, ajuizar ações sem fornecer qualquer forma de contato e localização da vítima.
Portanto, é fundamental que as mulheres que vivenciam tais circunstâncias não tenham receio de deixar a casa por medo de serem ainda mais prejudicadas.